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Desde que Gilmar Mendes votou pela liberdade de Robinho, condenado e preso por participação no estupro coletivo de uma mulher na Itália em 2013, o debate sobre o crime cometido pelo ex-jogador voltou ao centro do campo. Na sexta, 22 de agosto, Gilmar usou uma tecnicalidade para deliberar. Antes dele, Fux e Moraes entenderam diferente. Até o dia 29 de agosto o caso estará outra vez no STF e poderemos acompanhar os votos dos ministros - todos homens à exceção de Carmen Lucia. Aqui um agradecimento a Lula, que certamente não acha importante colocar mulheres na mais alta corte da Justiça. Falar sobre manter ou soltar Robinho talvez seja reduzir o debate a apenas uma de suas camadas. Acho que todos sabem que a participação de Robinho no crime foi forte e devidamente comprovada. O que se discute é, como sempre nos casos de violência de gênero, a gravidade. "Foi um deslize apenas", dizem muitos. Quem diz isso está falando em causa própria. Quem diz isso, olha para trás e precisa se desculpar por atitudes passadas. São os mesmos que não veem problema em ministro que coloca sem consentimento as mãos na coxa de ministra embaixo da mesa. Os mesmos que duvidam na palavra de quase uma dúzia de mulheres contra Marcius Melhem. Eles não debatem a veracidade dos fatos - eles debatem a gravidade. E seria preciso admitir isso para que possamos seguir. O que eles acham é que não tem nada demais nesses "deslizes", nesses avanços, nesses abusos. São os mesmos que, apesar de tudo o que sabemos hoje em dia, relutam em compreender que o que aprenderam a respeito do que é ser homem e do que é ser mulher nesse mundo precisa mudar porque, do jeito que foi organizado, é um jogo que fere, todos os minutos de todos os dias, o gênero feminino. Manter Robinho preso seria, claro, um aviso eloquente: é grave. Um aviso importante. Mas é justamente isso que está em jogo: a cada estuprador colocado em liberdade ou não punido, ganham todos os homens, os bacanas, os nem tão bacanas e os escrotos. Ganham porque a cada "não foi nada" da Justiça, o domínio de homens sobre mulheres é renovado e essa renovação beneficia a todos os homens, dos mais legais aos mais horrorosos. O que foi ensinado a respeito do que é sexo, sexualidade e desejo para homens é radicalmente diferente daquilo ensinado a mulheres. Para eles: façam, façam muito e como quiserem porque o capital social de vocês virá dessa quantidade. Para elas: resguardem-se porque o capital social de vocês virá desse resguardo. Ser homem é pegar geral; ser mulher é evitar geral. Se para os homens uma noite de farra é só uma noite de farra, para uma mulher ela pode significar uma espécie de morte. A dominação de um gênero sobre outro começa a ser construída com a diminuição de todas as coisas associadas ao feminino, que são consideradas mais fracas e desimportantes. Homens constroem suas subjetividades em oposição às características femininas: são obrigados a negá-las e a usar a violência para validarem suas masculinidades. É brutal com todos. E essa é uma sociedade que se recusa a educar homens sobre gênero e que em vez de dizer "não estuprem" volta-se às mulheres e exige: não sejam estupradas! Vai dar ruim. Está dando ruim. Não está legal para mulher alguma e a questão é que, por causa do feminismo, fomos capazes de entender como esse jogo está manipulado. A gente entendeu os mecanismos, as injustiças e estamos aqui dizendo que não queremos mais. O momento é de disputa de forças. O feminismo pede por ações claras; o machismo elege seus atores nos circuitos de poder para manter as coisas como sempre foram. Legendários, red-pills, incels, coaches de masculinidade. A misoginia rasteja, esperneia e se reorganiza. Mas tem uma coisa ainda que precisa ser dita: Não adianta manter Robinho preso se ele não entender a gravidade do que fez. Se for para isso, podem soltá-lo. Seria preciso que ele estivesse agora mesmo mergulhado em um processo educativo profundo e que a pena fosse associada a trabalhos sociais envolvendo questões de gênero que durassem muito tempo mesmo depois que ele fosse solto. A ausência de políticas públicas para evitar crimes contra mulheres e para reformar homens que cometem violência de gênero nos impede de construir uma sociedade melhor. E toda vez que a Justiça atenua um crime como o praticado por Robinho, a dominação masculina se renova.