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Quando o secretário de cultura de Jair Bolsonaro foi à TV, em comunicado nacional, e usou a estética de comunicação do partido nazista alemão, assim como seus elementos de retórica, para dizer que estava prestes a fazer nas artes, muitos riram. Parecia mesmo uma esquete do Porta do Fundos. Mas era a vida real e havia ali uma lição a ser absorvida por todos os que acreditam que a democracia deve ser perseguida. Em 2020, Roberto Alvim, secretário da cultura de Bolsonaro, disse: "A arte brasileira da próxima década será heroica e será nacional. Será dotada de grande capacidade de envolvimento emocional e será igualmente imperativa [...] ou então não será nada." O líder da comunicação do partido nazista, Joseph Goebbels, havia dito há quase 100 anos: "A arte alemã da próxima década será heroica, será ferrenhamente romântica, será objetiva e livre de sentimentalismo, será nacional com grande páthos e igualmente imperativa (...) ou então não será nada". Não havia, por parte de Alvim e do governo Bolsonaro, nenhuma intenção de esconder a associação direta com o nazismo. Eles estavam ali para agraciá-lo e para reconhecer a importância que deve ser dada à cultura dentro de um plano de governo que visa construir a sociedade que consideravam ideal. Lições que importaram de Hitler. O projeto não era de governo; era de sociedade. Donald Trump segue pelo mesmo caminho. Seus ímpetos autoritários estão em campanha pelo cancelamento de programas de TV que ousem fazer qualquer tipo de crítica a seus métodos. Recentemente, a extrema-direita trumpista se organizou para propagar o discurso: "mulheres devem se submeter a seus maridos", com a clara intenção de levar a polarização para dentro dos lares. Charles Kirk fazia esse discurso com impressionante regularidade. Trata-se de um projeto de sociedade ao estilo "O Conto de Aia", e eles não escondem o que querem. Está claríssimo. Está em discursos e em ações, e eles sabem que a cultura é o veículo. Não por acaso, a cultura é a primeira fronteira de luta de qualquer regime fascista. Justamente porque eles sabem como a cultura é importante para a formação da sociedade que querem erguer. Quando a esquerda se antecipa para defender a liberdade de expressão de discursos cruéis vestidos de piada, como fazem muitos autointitulados humoristas, ela avisa que não entendeu nada do jogo. Quando autoridades de direita e de extrema direita cancelam feiras literárias porque querem circular a ideia de que uma mulher deve ser submissa a seu marido, e que discursos que dizem o contrário devem ser silenciados, podemos ver o projeto de uma sociedade totalitária ser colocado em circulação. Talvez falte à esquerda a noção de que arte e cultura são fundamentais - e de que vale colocá-las no centro desse jogo imediatamente. Mais dinheiro, mais recursos, mais espaço, mais inclusão para os discursos que vão ajudar a construir uma sociedade sem marcadores de raça, gênero, sexualidade e classe. O Ministério da Cultura é peça central nessa engrenagem. Deveria ter um orçamento que refletisse sua importância. Uma comparação rápida pode indicar o tipo de sociedade que estamos construindo. O Ministério da Cultura tem cerca de 4 bilhões de orçamento. O Ministério da defesa tem 133 bilhões. As pastas dos ministérios mais "pobres" também dão uma boa ideia do que estamos projetando: Direitos Humanos: cerca de 400 milhões; Mulheres, 250 milhões; Igualdade Racial, pouco mais de 200 milhões. Os extremistas de direita compreendem, com seus modos autoritários e monstruosos, a importância da cultura na formação da sociedade que desejam construir. Talvez também por isso o professor Vladimir Safatle diga que a extrema direita é a única força insurgente em atividade hoje. Nos faria bem refletir a respeito.