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Só para assinantes Assine UOL Opinião Esporte Para falar de aborto não precisamos falar de aborto Milly Lacombe Colunista do UOL 18/10/2025 08h14 Deixe seu comentário 18.out.2023 - O presidente do STF, ministro Luis Roberto Barroso, durante sessão plenária da Corte Imagem: Carlos Moura/SCO/STF Carregando player de áudio Ler resumo da notícia O ministro Luís Roberto Barroso votou sobre o aborto antes de se aposentar do STF. Registrou o voto para que seu sucessor, provavelmente alguém mais conservador (salve, Lula), não precise deliberar a respeito do tema. Seguiu Rosa Weber e votou pelo direito de uma mulher abortar. Enquanto isso, uma comissão do Senado - a de direitos humanos - aprova decisão que acabará por tirar de uma mulher ou menina estuprada o direito a abortar. Faz sentido que seja a turma dos direitos humanos do Senado. Para seus integrantes, mulher não entra na categoria "humanos" e, nesse caso, é entendido apenas como ventre no sentido de forno. O STF deu dois passos em direção à dignidade. O Senado, dezenas de passos para o destino oposto. Mas eu gostaria de argumentar em outros termos nesse texto. Quando o debate sobre aborto é travado no ambiente do "sou contra" ou "sou a favor" é porque o time das pessoas que defende a vida das mulheres já perdeu. Nesse ambiente, tudo é fanatismo. Nesse ambiente o debate é fictício porque ele envolve "alma". Quando a alma começa? Bem, quem pode saber? Na fecundação? Na terceira semana? No zigoto? No nascimento? Quem sabe? Deixar que o debate aconteça nesses termos é aceitar o delírio como argumento válido. Mais ou menos como debater quantos anjos cabem dançando na cabeça de um alfinete. Os fanáticos sempre vencerão. Falar de aborto em termos maduros e razoáveis é falar em creches públicas e gratuitas. Falar de aborto é falar de ensino público, gratuito e de qualidade. Falar de aborto é falar de educação sexual nas escolas. Falar de aborto é falar de transporte público, farto e de qualidade para que mulheres vão e voltem do trabalho a tempo de cuidar de seus filhos. Falar de aborto é falar de papeis de gênero dentro de um lar. Falar de aborto é falar do trabalho não remunerado e invisibilizado de uma mulher dentro de um lar. Falar de aborto é falar de ejaculação responsável e esse último ítem deveria absolutamente relevante para os que se declaram radicalmente contra o aborto. Sakamoto Barroso votou aborto por temer mudança no STF Paulo Camargo Vulnerabilidade que revela a grandeza de um líder Julián Fuks Por que a arte e a literatura não precisam ser claras Maria Ribeiro Viva Diane Keaton e a mulher franca e excêntrica Quem é responsável por uma gravidez indesejada? O homem que ejacula de forma irresponsável. Como podemos defender essa colocação? Argumentando que uma mulher não sabe quando ela vai ovular, mas o homem sabe exatamente quando e como vai ejacular. Um óvulo é fértil durante o período de 24 horas. O esperma, uma vez depositado dentro do corpo de uma pessoa com útero, vive por cinco dias, dias durante os quais vai perseguir um óvulo de forma obstinada. Mesmo que a mulher não estivesse ovulando no dia do sexo, se ovular dali a três dias ela pode engravidar. Uma mulher é fértil um dia por mês. Um homem é fértil 24 horas de todos os dias de uma vida. A fertilidade da mulher dura 30, 35 anos. A do homem não acaba. Por que a sociedade foca na fertilidade feminina? Pílulas, marcadores de ovulação, outros métodos contraceptivos e invasivos. Todos esses métodos ferem de alguma maneira o corpo de uma mulher. E os homens? Passe livre. Camisinha é chato porque diminui o prazer. Vamos focar no prazer do homem, que vai sempre ganhar da alternativa arriscada: uma vida perdida para muitas mulheres. Uma sociedade decente estaria focada em formar ejaculadores responsáveis. Estaria resolvida aí a questão do aborto. Camisinha é um método barato, indolor, seguro. Por que aqueles que se colocam contra o aborto de maneira obcecada não pensam em evitar uma gravidez indesejada com a mesma fúria? Porque, vamos responder o óbvio: são a favor dos fetos, não das vidas. Brigam para que uma criança seja parida mas não abraçam as causas pós nascimento: creches, alimento, salário, folgas, teto, escola, saúde. Aí já é um problema da mãe. Vire-se. O debate sobre aborto sem esse alargamento fica limitado ao fanatismo. Ganhamos com Barroso, mas a batalha é longa e vai envolver outros ministros, alguns terrivelmente patriarcais. Lula está prestes a colocar no STF mais exemplares como esses. É uma pena. Falta o entendimento de que para falar honestamente sobre aborto não precisamos falar sobre aborto. Opinião Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados. ** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL. 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