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Se como disse Karl Marx na sua famosa obra "O 18 de Brumário de Luís Bonaparte" que "a história se repete, a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa", no campeonato brasileiro de futebol, a farsa se compara com a da novela Vale Tudo, remake da tv Globo. No brumário do Brasileirão, que compreende justamente o período do ano entre outubro e novembro _ diga-se, na França de Luis Bonaparte _, a direção do Flamengo e do Palmeiras assumiram os papéis principais de uma trama farsesca motivada por ganância. O Flamengo, de um lado, para embolsar muito mais do que já recebe do contrato com a mesma Globo da novela. O Palmeiras, que se coloca do outro lado, protege seus interesses acusando o Flamengo de "conduta predatória". Se há um vale tudo aí, ele precisa ser esclarecido. Claro, não podemos associar diretamente os dirigentes do Flamengo e do Palmeiras aos personagens da novela Vale Tudo, da Globo, mas há semelhanças com a farsa novelesca. Alguém dirá que o Flamengo não faz mais que sua obrigação ao defender seus interesses na justiça, embora isso signifique, na prática, ferir os interesses dos demais clubes. Numa economia capitalista, interesse não se define apenas juridicamente. Trata-se de saber quanto se pode ganhar mais contrariando a maioria. Não se ganha apenas ao competir em no mercado. Geralmente, os mais fortes criam as próprias regras de competição. No caso da disputa judicial pelo valor das cotas da tv no futebol, sempre há um risco financeiro calculado e um risco moral envolvido, pois a vitória de um na justiça poderá causar efeitos negativos para os demais clubes. As lacunas de um acordo coletivo envolvendo os clubes que integram a Libra se tornaram, na verdade, uma oportunidade para um desses clubes obter ainda mais vantagens sobre os demais. Isso mostra que a Libra, como liga de futebol, não existe de fato. Se um não segue as supostas regras, quem vai seguir? Por outro lado, alegando representar seus próprios interesses, o Palmeiras ameaça processar o Flamengo, caso a decisão judicial liminar que suspende provisoriamente os repasses do acordo financeiro da tv Globo com a Libra vire definitiva. Por que, as pessoas se perguntam, o direito de um valeria mais que o de outros? Afinal, todos eles fazem parte da mesma organização. Flamengo e Palmeiras só estão dizendo que não entrariam numa organização que os aceita como sócios. Os interesses econômicos são assim: para que uns ganhem, outros terão de perder. Se a Libra foi criada justamente para evitar isto e fracassa, restará a judicialização da questão como um campeonato à parte. Se a Libra visa ser um negócio lucrativo para os clubes, seus personagens não deveriam transformá-la num vale tudo. Se é para os interesses individuais dos clubes prevalecerem nos acordos comerciais, parece que a Libra não é um bom negócio. Ou talvez seja somente para a tv Globo. Olhar os termos do contrato da Libra com a Globo, ajuda a entender o imbróglio, mas pouco diz sobre os reais interesses dos clubes mais ricos do país, Flamengo e Palmeiras. Há uma óbvia disputa econômica e por protagonismo político. Não foi o bravo Sport quem entrou na justiça, mas o poderoso Flamengo. Não foi o cordato Juventude quem peitou o Flamengo, mas o igualmente poderoso Palmeiras. Uma liga de clubes deveria servir para garantir o direito de todos, mas não é o que acontece na prática. A economia política do futebol brasileiro, definida pela relação entre dinheiro e poder, aparece cristalina nesses episódios de acusação mútua entre Flamengo e Palmeiras, sendo eles os personagens principais da trama farsesca em busca de satisfazer seus próprios interesses. Porém, isso não é tão normal quanto parece. O economista clássico Adam Smith, considerado o fundador da economia política, achava que a busca dos indivíduos pela realização do interesse próprio geraria benefícios mútuos (sociais). Uma espécie de "mão invisível do mercado" harmonizaria tais interesses e repartiria os ganhos segundo a capacidade competitiva de cada um. Será? A Libra acabou demonstrando a farsa da tese de Smith. Sobrou "o 18 brumário", de Marx, que mostra como os clubes realmente disputam seus interesses ao colocarem mãos bem visíveis na bolada das transmissões dos jogos de futebol. Como cidadãos, o que temos a ver com isso? Ora, muitos de nós que pagamos para assistir aos jogos de futebol não somos personagens passivos nessa trama farsesca, por mais que pensemos em nosso próprio interesse clubista. Se pensamos o futebol como um bem público, podemos reclamar na justiça uma solução para o caso e exigir dos clubes um compromisso público maior com esta modalidade esportiva. Afinal, o espetáculo que queremos ver, também envolve nossos interesses e direitos. Finalmente, não queremos que mais essa farsa se converta numa "tragédia" que paralise o Brasileirão neste ou nos próximos anos. Se houver judicialização, poderá haver paralisação. O Flamengo deveria recuar da ação judicial e o Palmeiras deveria ajudar a negociar uma solução futura. Claro, se pensam no bem maior. É pedir muito? A solução futura pode ser o estabelecimento do flairplay financeiro? Pode até ser, mas não nos enganemos. Os negócios do futebol vão muito além do entretenimento e do clubismo. Dinheiro e poder continuarão falando alto. *