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Na partida entre Los Angeles Chargers e Kansas City Chiefs, pela 1ª rodada da NFL, pudemos ver frente a frente a primeira grande disputa entre Cazé TV e GE TV. Se ficarmos na concretude dos números, temos uma goleada. Segundo o site Marketing Esportivo, na comparação direta, a CazéTV marcou uma audiência sete vezes maior que a da GE TV: 9,4 milhões de visualizações totais contra 1,35 milhão. Foram 430 mil de pico de simultâneos na CazéTV e 170 mil da GE TV. Esquece. Mas espera aí: não tão rapidamente. O slogan da GE TV diz que a "mamãe tá on". Vamos problematizar esse slogan em alguns instantes, mas aqui vale dizer que o que está por trás dessa frase é um conglomerado de mídia com força de titã. A GE TV vai usar o que estiver ao seu alcance para colar na Cazé TV. Até os paralelepípedos sabem disso, como diria Nelson Rodrigues. Mas basta ter poder financeiro e vastos campos de negociação para chegar lá? Eu argumentaria que não, especialmente falando com uma audiência de Milenials e geração Z (aqueles nascidos a partir dos anos 1980 e até os anos 2010), uma turma que preza pela naturalidade, pela autenticidade, pela espontaneidade. O problema com a naturalidade é que, quando exigida, ela não se realiza. Como elétrons que mudam de comportamento quando observados, a naturalidade não é coisa que podemos fabricar - por motivos óbvios. Vendo o clip de lançamento da GE TV fiquei com a sensação de que a rota vai precisar ser corrigida já de saída: um tratado com indiretas e referências quase juvenis à concorrente na voz de, olha que bem sacado, Regina Casé. Pegaram? É esse o caminho? Deixar cristalino que a ideia é passear pela trilha já aberta? Eu diria que esse traçado pode ser problemático. Primeiro porque ele representa e celebra o bloqueio da imaginação. Depois porque os índices de sucesso da Cazé TV são bastante altos, a fidelidade do público é imensa e o rosto que dá nome ao canal é único. Casimiro Miguel, gostemos ou não, é o que é. Sem esforço, sem truques, sem desculpas. E está cercado de outros como ele. Suspendamos por agora o machismo explícito que a Cazé TV faz circular. O que ela oferece, além de gratuidade, é naturalidade e autenticidade. Será que não existe uma rota para fazer um canal de esportes gratuito de outro jeito que não seja buscando fabricar naturalidade? Sem buscá-la, ela pode vir. Ela funciona bem como sub-produto, mas vai muito mal como objetivo. Boa parte dos profissionais que estão na GE TV são excelentes justamente por serem autênticos, especialmente as mulheres, mas nota-se que a autenticidade, quando passa a ser performance, derrete e escorre pelas mãos. É uma armadilha e o sucesso da GE TV talvez passe por entender como não cair nela. Me espanta que a audiência feminina ainda seja pouco considerada quando falamos de futebol, mesmo diante de tantas pesquisas que indicam o tamanho colossal desse público. A Cazé TV é um reduto bastante masculinista que não se preocupa em reproduzir machismo e misoginia livremente - falamos sobre isso em outras colunas. Já o consumidor de futebol, quem diria, é também - e em grande escala - consumidora. Eu pergunto quando as mulheres são contempladas nas transmissões? Em jogos do feminino, em jogos do masculino quando narradora e comentarista são escaladas e é isso - mas nem sempre porque muitas vezes o machismo nas entrelinhas silencia e apequena nessas transmissões. Na estreia da GE TV com o jogo da seleção masculina, o comentarista Bruno Formiga era sempre chamado de Bruno Formiga por Jorge Iggor, o narrador. Já Luana Maluf rapidamente virou "Lu" e assim foi até o final. Imaginam o narrador chamando Bruno Formiga de "Bru"? Não, não imaginamos. Parece pouco, parece bobagem, parece chatice, mas não é. Assim como Bruno Formiga, Luana Maluf ainda não é amplamente conhecida pela audiência e chamá-la pelo nome profissional ajuda na construção da imagem. Essas dinâmicas, tão silenciosas, importam. Se praticamente metade do público que gosta de futebol é composto de mulheres, por que não pensar em como alcançar essa massa tão des-representada e, quem sabe assim, encontrar um caminho autêntico? Com isso chegamos ao slogan escolhido pela GE TV. O slogan com referência à "mamãe" é bastante problemático, ainda que ele talvez tente resgatar o bordão "mãe, eu tô na Globo". Mamãe tá on teria um duplo sentido que pode sugerir a mãe como aquela que tudo acolhe, tudo aguenta, tudo faz, tudo atura, em tudo se mete, tudo consegue. Soa defasado, desatualizado, ultrapassado. Um mais moderno seria "mamãe tá off", já que as mães estão sempre "on". Mas esse, claro, não comunicaria nada. A audiência que pretende ser alcançada é de jovens e jovens adultos que cansaram de performances e de teatralizações midiáticas. E ela não é facilmente enganada com sorrisos e piadas forçadas, muito menos com infinitos elogios à mamãe Globo e palavrões liberados. Me parece que, se quiser voar, a GE TV terá que entrar na floresta abrindo sua própria trilha. Todos e todas nós ganharíamos muito com esse esforço porque, eu argumentaria, aqueles que gostam do estilo da Cazé TV com ela seguirão. E quem não gosta, como tantos, não é para a GE TV que vai escolher ir. Seria delicioso ter uma nova opção midiática para assistir a esportes que tanto amamos. Gratuita, moderna, inclusiva, disruptiva, leve sem ser imbecilizante e autêntica. Seguirei torcendo. A favor, diga-se.