Conteúdo Original
Só para assinantes Assine UOL Opinião Virtude e Fortuna - A História da SAF e a revolução do futebol brasileiro Juca Kfouri Colunista do UOL 15/10/2025 09h01 Deixe seu comentário Carregando player de áudio Ler resumo da notícia POR JOSÉ FRANCISCO MANSSUR A aprovação da Lei da Sociedade Anônima do Futebol (Lei nº 14.193/2021) e a adoção do modelo por mais de uma centena de clubes em apenas quatro anos marcam o início de uma verdadeira revolução na estrutura do futebol brasileiro. Para compreender esse processo sob a ótica de Nicolau Maquiavel, é útil recorrer aos conceitos de fortuna e virtùexpostos em O Príncipe. Em termos maquiavelianos, virtùrefere-se às habilidades, à astúcia e à competência do governante (ou líder) para alcançar seus objetivos, enquanto fortuna diz respeito à sorte, ao acaso e às circunstâncias externas que escapam ao controle direto. Maquiavel argumenta que o sucesso político depende da conjugação desses dois fatores: um líder eficaz deve aproveitar a fortuna favorável com virtù, ajustando suas ações ao contexto para obter êxito. Sakamoto Lula pode reduzir 'clube da cueca' no STF Elio Gaspari Lobby prevaleceu: casas de apostas mostraram poderio TixaNews Apagão geral das emendas parlamentares PVC Informações e palpites para a rodada do Brasileirão A virtude, portanto, diz respeito às características pessoais do líder que se incumbe de realizar determinado empreendimento. E, nesse caso, por mais que o processo de construção da SAF tenha contado com diversas figuras importantíssimas, o líder originário e fundamental chama-se Rodrigo Monteiro de Castro. Conheci Rodrigo em uma reunião de um grupo político do São Paulo Futebol Clube, quando eu ainda achava que valia minimamente a pena gastar tempo com política interna de clube. Naquele dia, sabendo tratar-se de um brilhante advogado de direito societário, abordei-o sobre a necessidade de modernização dos estatutos do nosso time do coração. A resposta de Rodrigo foi cortante: "Mudar os estatutos de um único clube é como despejar uma garrafa de um litro de água no Rio Tietê. Em poucos segundos, a água limpa vai se misturar com a água suja. Precisamos, na verdade, pensar em uma lei que incentive os clubes a adotar o modelo das companhias." Respondi: "Mas nós não somos parlamentares; como uma lei proposta por nós será aprovada?" Ele então me convidou a pensar no texto junto com ele — e me colocou na maior aventura de toda a minha vida. Eu, sempre cético; Rodrigo, sempre determinado. Ali nasceu a ideia central da Lei da SAF. A maior virtude de Rodrigo, enquanto líder da iniciativa, foi acreditar que a mudança tão necessária seria também possível — e persistir mesmo nos momentos em que tudo indicava que nada iria acontecer... como sempre dizia eu. Meses depois, lançamos, em coautoria, o livro Futebol, Mercado e Estado (...), no qual estão os pontos fundamentais da ideia da SAF, além do seu projeto de lei original. No lançamento, muita gente nos prestigiou — mas a enorme maioria acreditava que aquilo não sairia do papel. Depois, com a participação de colegas brilhantes como Tácio Lacerda Gama, Juliana Bumachar, Marcelo Sacramone e Carlos Eduardo Ambiel, lançamos ainda outros dois livros sobre SAF. Com o projeto de texto legal redigido e registrado, encontramos o deputado Otávio Leite, que se interessou em apresentar o PL à Câmara dos Deputados, em meados de 2015. O deputado também teve papel fundamental ao ter a coragem de propor um projeto que previa uma mudança potencialmente mal-recebida por dirigentes aferrados a seus postos e poderes — como de fato ocorreu. Entre 2015, quando a primeira versão do texto foi escrita, e sua aprovação, em 2021, houve raros dias em que Rodrigo Monteiro de Castro não realizou ao menos uma ação efetiva pela aprovação da SAF. Foram inúmeros encontros com jornalistas, dirigentes e colegas operadores do Direito, além de viagens a Brasília para discutir com parlamentares e demonstrar como o futebol brasileiro precisava de uma mudança profunda e urgente. Quando o PL da SAF foi à votação, "SAF" já não era apenas mais uma sigla estranha para a opinião pública e os parlamentares. Graças a todos esses encontros, ao tempo e aos recursos investidos — dos quais tive a sorte de participar na maioria — recebemos críticas e sugestões que foram acolhidas e realmente melhoraram o texto. Continua após a publicidade Rodrigo Monteiro de Castro foi o abnegado que mais fez — e segue fazendo — pelo futebol brasileiro entre aqueles que nunca chutaram uma bola, treinaram um time ou dirigiram uma entidade. Ao lado de sua virtude, veio a fortuna que, em vários momentos, agraciou a ideia da SAF. O destino, de fato, conspirou pela revolução do futebol brasileiro. A maior fortuna foi termos encontrado, no senador Rodrigo Pacheco, o entendimento e o senso de urgência sobre o projeto da SAF. Primeiro, o senador foi o autor do texto do PL que efetivamente se tornou a Lei da SAF. Depois, ao tornar-se presidente do Senado, pautou a votação do projeto e, graças à sua proverbial capacidade de diálogo e articulação, aprovou-o por unanimidade. Com o então presidente do Senado, a SAF encontrou, entre parlamentares, o apoio essencial de que necessitava. Durante a tramitação da lei no Congresso Nacional, as atuações dos relatores — no Senado, Carlos Portinho, e na Câmara, Fred Costa — foram decisivas. A fortuna também bafejou o futebol brasileiro quando, no momento da votação do PL no Senado, estava presente o senador Romário, que fez um pronunciamento detalhado e preciso sobre o tema, com a autoridade de quem foi um dos maiores jogadores de todos os tempos. Na sanção presidencial, o veto ao regime tributário especial proposto pela então Presidência da República poderia ter colocado tudo a perder, criando uma carga tributária que desestimularia a adoção do modelo. E, novamente, o futebol brasileiro teve sorte: o senador Carlos Portinho liderou o movimento que derrubou o veto e tornou a SAF economicamente viável. O Cruzeiro não foi a primeira SAF, mas a atenção conferida ao seu processo de constituição — seja por se tratar de um clube gigante do futebol brasileiro, seja pela presença de outro gênio dos campos, Ronaldo, como investidor — atraiu ainda mais a atenção da opinião pública em favor do movimento. O Cruzeiro vinha de um período de enormes dificuldades e, menos de quatro anos após a adoção da SAF, voltou a liderar competições e a reassumir o protagonismo que nunca deveria ter perdido. E tantos outros clubes, que vinham enfrentando enormes dificuldades, se reestruturaram a partir da SAF. Quem, em 2022, por exemplo, afirmaria, numa conversa com amigos, que em 2024 o Botafogo SAF seria campeão brasileiro e da Taça Libertadores no mesmo ano? Continua após a publicidade Em 30 de julho de 2025, neste mesmo espaço, Rodrigo Monteiro de Castro publicou um estudo do IBESAF, por ele liderado (incansável que é), apontando que já existem 117 SAFs no Brasil. Muitas indicaram o caminho da recuperação para diversos clubes. Outras recolocaram grandes clubes — como Botafogo, Cruzeiro e Bahia — de volta ao cenário das grandes competições. Outros, como o Coritiba, enfrentaram dificuldades no início, mas estão entrando nos trilhos, enquanto o Mirassol reverte os prognósticos com sua ótima campanha na Série A. E o Vasco? O Vasco e suas dificuldades servem para mostrar que a SAF não é uma "varinha mágica" e que o processo de constituição deve contar com estudos profundos na escolha dos parceiros e na celebração dos contratos — mas mesmo isso é uma lição que serve para aprimorar os modelos. O futebol brasileiro, que tanto encantou o mundo com seus craques geniais e suas conquistas, encontrou em virtù e fortuna o caminho pavimentado para uma revolução que já está em curso e poderá recolocá-lo no lugar de destaque no esporte mais popular do planeta. Na linda Florença, que tanto aprecia a arte e a beleza, Nicolau Maquiavel sorri satisfeito. Opinião Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados. ** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL Comunicar erro Deixe seu comentário Veja também Deixe seu comentário O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL. UOL Flash Acesse o UOL Flash Receba novos posts de Juca Kfouri por email Informe seu email Quero receber As mais lidas agora Com look decotado, Heidi Klum faz piada ao mostrar pelo nos seios 99% das pessoas que sofreram infarto ou AVC tinham um desses 4 problemas Aplicativo da 99 fica fora do ar na manhã de hoje Leonardo pode doar medula a Afonso mesmo sem consentimento? Entenda Como 'célula de sobrevivência' do carro salvou jovem soterrada no RS