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A briga pela divisão de receitas na Libra (Liga do Futebol Brasileiro) ganhou novos contornos. Após o Flamengo conseguir uma liminar no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) para bloquear o repasse de R$ 77 milhões do contrato de pay-per-view com a TV Globo, clubes da liga reagiram com firmeza. O Palmeiras divulgou nota dura, acusando a atual gestão do Rubro-Negro de "postura predatória e torpe" e de tentar "asfixiar financeiramente" as demais instituições para obter vantagens individuais. O clube paulista lembrou que poderia até ser beneficiado pela mudança, mas disse priorizar o crescimento coletivo do futebol brasileiro. Na esteira do Palmeiras, São Paulo, Santos, Atlético-MG e Red Bull Bragantino também emitiram notas oficiais criticando a postura do clube carioca. Em tom semelhante, apontaram que a liminar coloca em risco a estabilidade da liga e enfraquece a construção de um produto competitivo. O Flamengo ingressou na justiça alegando que a divisão da cota de audiência — equivalente a 30% do contrato — não reconhece sua real contribuição para o mercado. Segundo o clube, mesmo representando cerca de 47% da audiência nacional, receberia apenas em torno de 20% do bolo nessa parcela. Com base no estatuto da Libra, o Rubro-Negro sustenta que teria direito de veto para mudanças em critérios de rateio, o que não teria sido respeitado. Com a liminar, os R$ 77 milhões que seriam repassados aos clubes ficaram bloqueados. O Flamengo havia tentado a liminar em primeira instância, mas não conseguiu. O pedido foi acatado em segunda instância no TJ-RJ. O processo corre em segredo de Justiça. O dinheiro referente à audiência seria distribuído em quatro parcelas. Em resposta, a Libra classificou a ação do Flamengo como contrária ao espírito coletivo. Segundo a entidade, os critérios foram aprovados em assembleia e refletem um modelo democrático, que busca o equilíbrio entre os participantes. A nota acusou o clube carioca de priorizar interesses individuais de curto prazo em detrimento da construção de um produto sustentável para todos. Do Flamengo: - Estatuto prevê unanimidade para mudanças em critérios de distribuição; - Critério atual fere a proporcionalidade, já que o clube gera mais audiência do que recebe em valores; - Configuração de abuso de maioria pelos demais associados. Da Libra: - Assembleias aprovam deliberações com maioria qualificada, não unanimidade; - O contrato com a TV Globo já está em vigor, e sua execução deve ser preservada; - Alterar os repasses por liminar gera insegurança jurídica e ameaça a estabilidade da liga. Advogados ouvidos pelo Lei em Campo avaliam que a disputa pode se prolongar. Há espaço para o Flamengo sustentar juridicamente o descumprimento do estatuto, mas a tendência judicial é preservar a segurança dos contratos já firmados. "É natural que existam divergências entre clubes em um momento de reorganização do futebol brasileiro, mas o princípio da segurança jurídica precisa prevalecer. Contratos já firmados são pilares de estabilidade - quebrá-los ou relativizá-los comprometeria a confiança de investidores e parceiros comerciais. O debate é saudável, desde que não coloque em risco acordos que garantem previsibilidade e crescimento sustentável para a liga e para todos os clubes envolvidos", explica o advogado desportivo Gustavo Lopes. Outro ponto é a própria sustentabilidade institucional. O caso demonstra a dificuldade que o Brasil enfrenta de ter uma Liga independente. "Enquanto clubes agirem como adversários também fora de campo, o projeto de liga seguirá distante do modelo europeu. Essa disputa fragiliza a confiança e coloca em xeque a credibilidade da Libra e da própria ideia de Liga no país, algo ainda muito distante", avalia Andrei Kampff, jornalista, advogado e colunista do UOL. A decisão liminar pode ser revista a qualquer momento. Caso a tese do Flamengo prevaleça no mérito, os critérios de rateio terão de ser reavaliados, com possível redistribuição retroativa de valores. Se a Libra sustentar sua posição, o clube carioca poderá enfrentar isolamento político dentro da liga. Mais do que a disputa financeira, o episódio revela a dificuldade dos clubes brasileiros em construir um projeto coletivo sólido e reforça a necessidade de governança clara e cooperação para que a liga se torne competitiva internacionalmente. .