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As ruas de Israel foram tomadas por manifestantes. Eles pedem o que a ONU e todos os coletivos de direitos humanos já exigem há bastante tempo: o fim da guerra em Gaza. Mas o esporte segue calado diante de uma realidade que choca a todos e contraria pilares mais caros ao esporte. A guerra no Oriente Médio assusta o mundo, assim como a guerra na Ucrânia e tantos outros conflitos expõem o absurdo da violência. Diante da derrota da humanidade, não existem soluções mágicas. O esporte, ao reagir contra a Rússia, encontrou caminhos inéditos: puniu federações, excluiu atletas e gerou pressão interna sobre o país. Mas, até agora, pouco se vê de reação em relação à guerra em Gaza. O Ocidente seguiu boicotando a Rússia. Empresas saíram do país, governos cortaram contratos, clubes foram excluídos da FIFA e da UEFA, atletas impedidos de competir sob sua bandeira. Poucos contestaram. O Tribunal Arbitral do Esporte (TAS) validou as decisões: considerou a invasão da Ucrânia um caso de força maior - um evento catastrófico que justificava medidas excepcionais. Mas, afinal, a motivação foi proteger direitos humanos ou atender às pressões políticas do Norte Global? Essa pergunta ganha relevância quando vemos o silêncio do movimento esportivo em relação a Gaza - onde a África do Sul levou Israel ao Tribunal Internacional de Justiça acusando genocídio. Enquanto a Rússia foi banida de praticamente todas as competições internacionais, não houve apelo público, tampouco pressão federativa, para excluir Israel de Los Angeles 2028 ou de torneios da FIFA. No Instituto Asser, Nick McGeehan analisou como FIFA e COI "navegam sem leme" em águas geopolíticas tempestuosas. Ele alerta: a ausência de normas claras deixa o esporte refém das pressões dos estados poderosos, funcionando como "fantoche do Norte Global". O caso Rússia confirmou isso. O caso Gaza, pela ausência de sanções esportivas, também. McGeehan e outros especialistas apontam a necessidade de que documentos como a Carta Olímpica e os Estatutos da FIFA incluam referências explícitas a normas internacionais: proibição de anexações ilegais, crimes contra a humanidade, violações de jus cogens. Sem parâmetros objetivos, a coerência se perde. As medidas contra a Rússia não foram precedidas por regras, mas por pressão política e reação global. Quando a ONU relatou que uma criança palestina morria a cada 15 minutos em Gaza, quando hospitais foram destruídos e mais de 90% da população passou fome severa, o esporte permaneceu inerte. Antoine Duval resumiu bem: "A Federação Russa não é mais diretamente responsável pela invasão da Ucrânia do que o esporte israelense pela ocupação ilegal da Palestina. Por que uma guerra é considerada suficiente para exclusão e outra não?". A comparação é incômoda, mas necessária. Um precedente importante foi a exclusão da Iugoslávia das competições internacionais no início dos anos 1990, durante as guerras balcânicas. Diferentemente do caso da Rússia e do atual silêncio sobre Israel, a medida teve fundamento em resolução específica do Conselho de Segurança da ONU, que impôs sanções abrangentes ao país, incluindo a participação esportiva. A FIFA e o COI apenas aplicaram, em seus regulamentos, a decisão emanada de um órgão internacional com competência jurídica reconhecida. Ou seja, havia uma base normativa clara e um devido processo multilateral. Esse exemplo reforça a necessidade de que, em vez de reações seletivas ditadas por pressões políticas, o esporte disponha de critérios objetivos para lidar com O precedente da Iugoslávia mostra que exclusões esportivas podem ser justificadas quando há respaldo em resoluções do Conselho de Segurança da ONU. O problema é que esse órgão, controlado por cinco potências permanentes, dificilmente age com imparcialidade. Mesmo assim, ao menos havia devido processo. Já nos casos de Rússia e Israel, a diferença ficou clara: onde havia reação pública ocidental, houve punição esportiva. Onde não houve, o silêncio prevaleceu. O esporte carrega em seus estatutos compromissos históricos com a paz e os direitos humanos. A Carta Olímpica fala em "sociedades pacíficas", "solidariedade" e "desenvolvimento da humanidade". A FIFA também inclui "direitos humanos" como princípio fundamental. Mas esses compromissos não são aplicados de forma uniforme. Enquanto isso, atletas palestinos seguem sem vozes oficiais a seu favor. Israel compete normalmente. A Rússia, não. O critério? Não há regras claras — apenas a força política dos estados que pressionam as entidades. Se o esporte não pode resolver guerras, pode ao menos agir com coerência. Criar parâmetros jurídicos claros para reagir a violações graves de direitos humanos - sem distinções seletivas - seria um avanço. Enquanto isso não acontece, o esporte seguirá oscilando entre omissões e ações seletivas, ditadas não por princípios universais, mas pelas vontades do Norte Global. Esporte e política não se afastam. Talvez nunca se afastem. Mas poderiam, ao menos, caminhar juntos com mais transparência e legitimidade. .