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É um samba de uma nota só. Quando acaba um jogo como o de ontem, derrota do Brasil para a Bolívia, eu já sei exatamente quais serão as manchetes, quais serão as perguntas feitas aos jogadores, quais serão as análises. Altitude, altitude, altitude. É como se não existisse outro time, é como se fosse um jogo absolutamente desigual em que fosse impossível vencer. Às vezes, times e seleção brasileira vencem, não é mesmo? Não só às vezes, mas na maioria das vezes. Quando é assim, "vencemos a altitude". Quando dá ruim, "perdemos da altitude". Minha experiência de quatro dias na Bolívia, conversas com jogadores, jornalistas e dirigentes locais me revelaram algumas coisas. Eles dizem que nem sequer levam em conta o fator altitude para preparar um jogo. Eles também debatem o tema na imprensa, por um simples motivo: jogadores da seleção boliviana, muitos deles, tampouco estão habituados à altitude. Mas eles não dramatizam. O gerente do Bolívar, Eduardo Valdivia, me disse que considera um erro a estratégia dos rivais de chegar apenas horas antes das partidas no alto, como fez a seleção brasileira. Para ele, o principal fator de influência da altitude é no jogo. Assim como jogar no gramado sintético é diferente, como jogar com neve e bola parecida com uma pedra é diferente, assim como jogar no calor e na umidade é diferente, jogar no ar rarefeito também é diferente. Os comportamentos da bola mudam e os times demoram uns 15 minutos para entender as diferenças. Ele usou o exemplo recente do Palmeiras, que chegou dois dias antes para enfrentar o Bolívar, pela Libertadores, e venceu o jogo. Perguntei a Rodrigo Caetano sobre o tema, inclusive com o exemplo do Palmeiras. Ele disse que era diferente "porque o Palmeiras jogou a 3600 metros", ou seja, em La Paz, não em El Alto. Ou seja, La Paz era o lugar mais impossível de jogar, mas agora virou moleza? Só porque arrumaram um ainda pior? Não me pareceu tão convincente. Caetano falou também que a decisão de chegar em cima da hora está baseada em fisiologia e no que dizem os especialistas. Mas eu me pergunto. Que especialistas? Há quanto tempo isso é considerado "verdade absoluta"? Será que hoje não temos algumas situações diferentes? Jogadores correm mais em campo, são mais bem preparados fisicamente, há aparelhos mais modernos para medir oxigenação, recuperação e outros indicativos que sejam importantes. O futebol de hoje não é o de 30 anos atrás, Voltando ao exemplo do Palmeiras. Se você chega três dias antes a La Paz, você consegue treinar, se acostumar à velocidade da bola, os jogadores têm uma compreensão melhor de quando acelerar ou não. E mais: o "mal de la altura", a altitude que "pega" logo de cara alguns corpos - e outros, não - não demora a vir. Se um time fica três dias em La Paz, será muito mais fácil identificar que jogadores estão lidando melhor ou pior com a situação. Não é mais razoável descobrir isso antes do que no campo, com a bola rolando? Ou será que jogadores e outras pessoas do processo decisório não estão muito a fim de vir aqui tão longe para passar três dias? Tudo isso é apenas uma maneira de encarar e se preparar para a altitude. Não estou aqui dizendo que é o jeito certo. Eu não sou um especialista no tema. Mas sou um bom observador de comportamentos. E o que parece no Brasil, quando se trata de altitude, é que o tema tem sido tratado cada vez mais de forma definitiva, com muita superficialidade. Enquanto alguns jogadores dizem que sofreram - até porque só se fazem perguntas assim para eles -, outros, como Fabrício Bruno, disseram que não tiveram problema algum em campo. Enquanto os brasileiros entraram em campo querendo não correr, os bolivianos, e seis dos titulares tampouco jogam ou estão habituados à altitude, entraram correndo como loucos. Com o cansaço, eles lidam depois, quando ele aparecer. Enquanto alguns amigos jornalistas sofreram com a altitude, outros, como eu, não tiveram problema algum. Não é algo definitivo. E certamente não é o principal fator para determinar a vitória ou a derrota no futebol. É um fator, sim. Claro que é. Como tantos outros são. A altitude é uma realidade do nosso continente e é muito raso tratá-la como tratamos. Se juega donde se vive.