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Quando vi que o Brasileirão iria começar em janeiro a partir de agora, celebrei. Pensei: "Poxa, vão colocar em prática o que defendo há anos". Mas não é bem assim. O que defendo há anos é um Brasileirão que comece, sim, em janeiro. Que termine em setembro, antes das datas Fifa, e com uma temporada que termine com os torneios que fizeram o Brasil ser o país do futebol e que agora acabam sendo enterrados de vez pela CBF. Defendo um Brasileirão que tenha boa parte disputada no primeiro semestre, com apenas uma data Fifa para atrapalhar e que "concorra" com fases iniciais de Libertadores, Sul-Americana e Copa do Brasil - ou seja, que os times grandes não tenham que fazer escolhas entre poupar ou não poupar em fases agudas dos pontos corridos e dos mata-matas. E defendo que os últimos meses do ano fiquem para os campeonatos Estaduais com a presença dos grandes. Os Estaduais não precisam parar nas datas Fifa de setembro, outubro e novembro. E são eles que concorreriam com as fases finais dos torneios de mata-mata. Ou seja, não haveria problema nenhum para qualquer time grande, bastaria poupar jogadores nos Estaduais. E, para os que por ventura não estiverem em finais ou fases agudas de Libertadores, Sul-Americana e Copa do Brasil, os Estaduais seriam valorizados e seriam uma ótima tábua de salvação para a temporada. Não foi o que fizeram. Mantiveram os Estaduais nos primeiros meses do ano. Absolutamente sufocados pelo Brasileirão. Começando em 11 de janeiro, ou seja, sufocando a Copa São Paulo de juniores, um evento importante e histórico do nosso verão. Obrigando clubes a jogar com reservas e jovens (penalização em dobro à Copa SP), já que alguns elencos estarão voltando de férias e ainda nem terão começado a pré-temporada. Basicamente, é a morte morrida dos Estaduais. Quem detesta Estaduais? A elite. Quem detesta os Estaduais são os que enxergam o Brasil como um país para 4, 6 ou 8 clubes. Dizem que o Brasileirão pode virar a Premier League. Não, nunca será. O Brasil, até por uma questão de fuso horário, nunca terá o alcance das principais ligas europeias. O Brasileirão de pontos corridos e agora disputado ao longo do ano inteiro é um torneio que beneficia uma dúzia de clubes (se tanto). Os mais populares do Brasil? Sim. E como viraram os mais populares do Brasil? Jogando entre eles nos Estaduais, diga-se. E enfrentando forças locais, se deparando com jogadores novos e conquistando corações com as rivalidades. Não é só o calendário o nosso problema. São vários mecanismos falhos. Como, por exemplo, a inexistência de um que proíba clubes de irem buscar jogadores de 7, 8, 10, 12 anos nos quatro cantos do país. Deveríamos fomentar o futebol localmente, fortalecer o esporte nas pequenas e médias cidades, tratar o futebol como algo realmente capilar em nossa cultura, e não apenas como um grande negócio para 10 ou 12 instituições das maiores capitais do Brasil. E, nesse sentido, que os Estaduais continuem existindo seria muito importante. O calendário anunciado pela CBF finge ser bom para os times pequenos, médios e ex-grandes. Porque amplia a Copa do Brasil, amplia as Séries C e D e cria mais alguns jabutis, como a tal Copa Sul-Sudeste (até o nome já dá vontade de fugir, são torneios natimortos). É um projeto que "dá calendário" para esses clubes. Sim, um calendário deficitário e sem prêmio algum. Eu não acho ruim a ideia de misturar torneios regionais com estaduais. O Paulistão tem sentido - tinha sentido. O Nordestão tem mais sentido que os Estaduais na região. Talvez agregar o Sul tenha sentido. Talvez agregar Minas e Rio tenha sentido. Poderia haver um mix. Desde que esses torneios fossem a própria Série D ou até mesmo a própria Série C e oferecessem dois prêmios: acesso ao "ambiente nacional" dos pontos corridos e a chance de enfrentar os grandes em Estaduais (ou regionais) decentes nos dois meses finais do ano. Tudo se trata de uma grande colcha de retalhos. Os grandes do país, os grandões mesmo, enxergam os Estaduais com um fardo. Dirigentes ou compradores estão se deliciando com as grandes quantidades de dinheiro que entram neste micro universo. Não querem dividir isso à toa. Como o Brasil é uma potência regional e coloca meio Brasileirão na Libertadores, passou a dominar o continente também. Mais dinheiro. Criamos nosso Real Madrid e nosso Barcelona e o resto da turma está batendo palmas, achando que amanhã será a vez deles. Não percebem que o Gre-Nal será cada vez mais um Sevilla x Bétis. Para não perder o comando, a CBF cede mais e mais e mais e mais para este grupo de clubes. Não oferece um calendário ideal para eles, mas vai paulatinamente melhorando o cenário para eles. Permite os escandalosos gramados artificiais, o que interessa economicamente aos clubes. E segue permitindo a selva que é captação de jogadores desde a primeira idade. Enquanto os pequenos, médios e ex-grandes que se virem com as migalhas. Cada vez mais sufocados. Não percebem que é da grande quantidade de clubes, cidades e formadores de jogadores que sai a nossa grande virtude. Matam a Copa São Paulo, matam o Paulistão, já mataram outros Estaduais, vão matando pouco a pouco a história que fez o futebol brasileiro ser o que foi. Foi. Não é mais.