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O futebol, enquanto fenômeno desportivo, social e econômico, é regido por um complexo ordenamento jurídico. Para além das 17 Regras do Jogo da IFAB, existem os regulamentos disciplinares das federações nacionais e internacionais, que funcionam como verdadeiros códigos legais do desporto. O caso do gol marcado por Luiz Adriano pelo Shakhtar Donetsk contra o Nordsjælland, em 21 de novembro de 2012, pela Uefa Champions League, é um dos exemplos mais claros de como um princípio ético aparentemente abstrato - o - foi operacionalizado juridicamente pela Uefa para aplicar uma sanção, servindo como um precedente relevante para a jurisprudência disciplinar europeia. Na ocasião, após o Nordsjælland colocar a bola para fora a fim de permitir atendimento a um atleta, a posse foi devolvida pelo Shakhtar com um lançamento longo em direção ao goleiro adversário. Luiz Adriano, porém, aproveitou-se da jogada, interceptou o passe antes que chegasse ao arqueiro e marcou o gol. A atitude quebrou a expectativa de devolução da bola e gerou imediata indignação dos jogadores dinamarqueses, da torcida e da própria imprensa internacional. a ação de atacante foi tecnicamente legal. O árbitro não havia interrompido o jogo; a bola estava em campo; e o jogador não cometeu falta ao interceptar um passe. No entanto, o futebol é também regido por costumes desportivos não escritos, mas amplamente reconhecidos e aceitos pela comunidade futebolística. O mais sólido deles é a convenção de que, quando uma equipe joga a bola para fora para permitir o atendimento a um jogador lesionado, a equipe adversária se compromete, por boa-fé, a devolvê-la. O jogador violou essa confiança. A sua ação não foi uma mera infração técnica, mas uma violação de um princípio fundamental que sustenta a integridade da competição: o princípio da lealdade desportiva. mas sim no seu . O fundamento legal foi o , que estabelece: "Os membros da Uefa devem sempre comportar-se de acordo com os princípios de lealdade, integridade e desportivismo, tanto dentro como fora do terreno de jogo." A decisão do , foi, portanto, um ato de interpretação e integração normativa. Perante a lacuna de uma regra específica que proibisse aquele ato exato, os julgadores recorreram a um princípio geral do direito desportivo - o - para preencher a lacuna e qualificar a conduta do atleta como antidesportiva e merecedora de sanção. Sob a ótica jurídica, a Uefa equiparou a violação do costume desportivo (devolver a bola) a uma violação do dever geral de conduta adequada, previsto no seu regulamento. Foi uma clara aplicação da , demonstrando que eles não são meras exortações morais, mas sim normas jurídicas dotadas de coercibilidade. A punição de Luiz Adriano - - gerou debate na comunidade jurídica desportiva, centrando-se em dois aspectos: a punição foi legal. A Uefa atua dentro da sua esfera de autonomia privada para legislar e punir infrações aos seus regulamentos. O artigo 5 confere poder discricionário amplo ao Comitê Disciplinar para avaliar condutas que atentem contra a integridade do desporto. A decisão foi um exercício válido dessa discricionariedade, fundamentado num dispositivo claro. Também com relação à a suspensão por um jogo foi, na realidade, uma pena branda, considerando a gravidade do ato e o clamor público. Isso sugere que a Uefa ponderou entre a necessidade de enviar uma mensagem clara e a circunstância de ser um caso sem histórico no jogador. A proporcionalidade da pena é, assim, defensável e dificilmente classificável como excessiva. O legado mais importante deste caso é a criação de um . Ele estabeleceu uma referência obrigatória para qualquer situação futura semelhante. Qualquer jogador ou clube está agora formalmente advertido de que violações ao espírito do jogo, mesmo que não tipificadas minuciosamente nas regras, serão passíveis de sanção disciplinar. Ele representa a vitória do espírito sobre a letra fria da lei, mas através de meios jurídicos. É um exemplo paradigmático de como o Direito Desportivo é um ramo vivo e dinâmico, capaz de se adaptar para proteger os valores fundamentais do jogo. A decisão da Uefa reforça que o futebol não é uma mera sucessão de atos técnicos, mas uma atividade fundada na confiança e lealdade recíprocas entre os competidores. Ao punir Luiz Adriano, a entidade máxima do futebol europeu cumpriu o seu papel de guardiã dessa confiança, utilizando o instrumento jurídico adequado - o princípio da conduta adequada - para afirmar, de forma inequívoca, que a integridade do desporto é um bem jurídico superior e merecedor de proteção. Em última análise, o caso ensina que, no ordenamento jurídico-desportivo, a e o não são apenas ideais: são pilares normativos que sustentam todo o sistema, podendo e devendo ser invocados para garantir que o jogo continue limpo, justo e digno de ser chamado de desporto. .