Conteúdo Original
Onde vocês estavam em 3 de outubro de 1993? Eu passava por uma das maiores emoções da minha vida profissional como jogador de futebol. Em 1993 eu estava no Flamengo jogando o Campeonato Brasileiro. Estávamos em um ótimo momento, pois vínhamos de algumas vitórias consecutivas sobre Cruzeiro, São Paulo, Botafogo e Internacional, e íamos enfrentar o Corinthians no Pacaembu no domingo, 3 de outubro. Eu havia saído do Parque São Jorge para a Europa em 1986, mas quando vinha de férias, eu treinava no Corinthians e corria no Parque do Ibirapuera. Sempre me preparei muito psicologicamente para jogar futebol, principalmente quando era um grande clássico. Sempre preferi que a torcida adversária me xingasse, me provocasse, porque isso mexia com meu brio e me motivava demais. Naquela semana, me preparei para ser vaiado pela torcida corintiana, afinal de contas, fazia muitos anos que havia saído e não tinha contato algum com os torcedores. Quando chegamos ao Pacaembu, estava com um friozinho na barriga por estar de volta. Como tinha o hábito europeu, subi ao campo para ver como estava o gramado e decidir qual tipo de chuteira iria usar. Logo que pisei no gramado do Pacaembu, que já estava praticamente lotado, os torcedores do Corinthians começaram a cantar assim: "DOUTOR, EU NÃO ME ENGANO, O CASAGRANDE É CORINTIANO". "VOLTA CASÃO, SEU LUGAR É NO TIMÃO". Fiquei impactado, emocionado, porque me veio um filme na cabeça junto com eles. Não tinha como fazer de conta que nada havia acontecido. Venho de uma família super corintiana e me tornei um deles logo aos 5 anos de idade. Só queria saber do Rivellino. Cheguei no Corinthians para jogar no Dente de Leite aos 10 anos de idade. Amava e amo o Parque São Jorge. Ouvindo os cantos, me veio rapidamente o dia em que fiz minha estreia no profissional, no mesmo Pacaembu, quando fiz quatro gols, e uma ligação forte entre eu e a torcida corintiana dos anos 80 surgiu. Bom, voltei para o vestiário e meu foco ao jogo voltou. Me troquei, aqueci, coloquei a linda camisa do Flamengo e subimos para o campo. Eu pensei que, quando o jogo começasse, os corintianos iriam gritar, vibrar, apoiar o time do Corinthians, mas eles continuaram cantando a mesma coisa durante o jogo: "VOLTA CASÃO, SEU LUGAR É NO TIMÃO". "DOUTOR, EU NÃO ME ENGANO, O CASAGRANDE É CORINTIANO". Aí desmontou todo o meu preparo psicológico, e nunca neguei que aquela manifestação incrível mexeu muito com o meu emocional. Pensava em cada coisa estranha e comecei a ficar constrangido com aquilo. Estava preocupado em como a torcida do Flamengo iria encarar tudo aquilo. Comecei a me cobrar para fazer gols e vencer a partida pela nação rubro-negra e mostrar que eu estava honrando com aquela camisa, mas não tinha jeito. Cada vez que a bola chegava perto de mim, os cantos ficavam mais fortes ainda. Como as histórias são escritas de uma forma muitas vezes irônicas, num escanteio para o Corinthians, a bola foi cruzada na área. O Rivaldo cabeceou e a bola iria entrar, mas caprichosamente ela bateu em mim antes de ir para as redes. Aquilo acabou comigo, porque eu estava muito sensível naquele momento. Foi a primeira manifestação de amor de uma torcida por um jogador do adversário vista até então. A primeira vez que a torcida corintiana dentro de um estádio cantava com toda força para um ex-jogador voltar. Nasci no Parque São Jorge e minha ligação emocional com aquele lugar é muito forte até hoje. Passei muitos momentos incríveis no clube, muitos alegres, muitos divertidos e alguns de muita tristeza. Sempre me senti acolhido no Parque São Jorge. Bom, pouco tempo depois eu saí do jogo cabisbaixo, incrédulo, mas no fundo, muito feliz por aquela demonstração de amor que havia recebido. Fui saindo, caminhando para o vestiário e, já no túnel de acesso aos vestiários, encontrei um mestre e amigo, o jornalista Juca Kfouri. Ele teve a sensibilidade de perceber meu estado emocional e, como amigo, mas também como jornalista, viu que dali poderia sair algo espontâneo e lindo. Fui em sua direção, chorando, e perguntei assim: "Você viu, Juca, o que foi aquilo?" Ele me respondeu: "Casão, eles te amam." E chorando, dei um abraço nele, todo suado e molhado, porque apesar do calor, chovia durante o jogo. Foi um 3 de outubro inesquecível para mim e, até hoje, às vezes ouço na minha cabeça a torcida no Pacaembu pedindo para eu voltar, que sabiam que eu era corintiano, como realmente sou. Lá se vão 32 anos e tudo mudou. O amor que sobrou dentro de mim é pelo Parque São Jorge, porque, com as redes sociais e mudanças nas pessoas, nem o Corinthians e nem a torcida me olham com carinho. Mas eu não mudei, continuo sendo aquele garoto corintiano que cresceu e viveu dentro do clube e que estava nas arquibancadas desde 1970. Vi a invasão do Maracanã em 1976, o título maravilhoso de 1977, o de 1979 e tive o privilégio de fazer parte da Democracia Corinthiana e ser bicampeão paulista 82/83. Isso ninguém tira de mim. Quero terminar mandando um grande beijo para todos que estavam no Pacaembu naquele domingo, 3 de outubro de 1993.