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É quase injusto fazer avaliações sobre o trabalho de Carlo Ancelotti. O cara chegou a um outro país, uma outra cultura - por mais que já tenha tido na vida bom contato com ela -, não tem tempo para treinar, para conviver com os atletas e pegou uma seleção brasileira sem base pronta e sem um rumo claro. Mas temos um atenuante para poder falar do trabalho do italiano. Ele e todos nós já sabíamos de tudo isso. Portanto, se aceitou-se jogar o jogo como ele se apresentava, é necessário apresentar as soluções que o momento requer. E estamos todos autorizados a avaliar em cima do que vemos. Até agora foram duas convocações e três jogos. O trajeto não é diferente dos inícios de Fernando Diniz e Dorival Júnior. Por razões diferentes, claro. Diniz começou com goleada e boas vitórias e sensações. Até que veio o primeiro tropeço, depois a lesão de Neymar e foi tudo para o espaço. Dorival começou batendo de frente com seleções europeias poderosas. Mas depois veio a Copa América. Já Ancelotti começa sem levar gols. São três jogos sem que o goleiro seja vazado. O dinizismo em estado puro, depois o arroz com feijão funcionando com Dorival, agora a defesa sólida. Essa é a razão prática para algum tipo de empolgação. O que vem depois? É o que veremos. O tempo para a Copa é curto, muito curto, e praticamente não haverá mais jogos oficiais, pois enfrentar a Bolívia a mais de 4 mil metros de altitude meio que não conta - é uma situação de jogo muito específica e que não será replicada na preparação ou na própria Copa. Depois, jogos contra Japão e Coreia em outubro, africanos em novembro, alguma seleção europeia boa em março, algum sparring em junho. E pronto, é a Copa do Mundo. O que mais me assusta na seleção é a falta de criatividade. Um problema que Ancelotti carrega e que vem de antes, desde a era Tite. Quando falo de falta de criatividade, falo do time e também dos técnicos. O time não consegue sair do nhém-nhém-nhém quando tem a bola e enfrenta uma defesa bem postada. E os técnicos não têm criatividade para pensar fora da caixa, mudar sistemas, gerar mais dinamismo. É uma palavra modinha do futebol atual, que eu acho a melhor para resumir a seleção em fase ofensiva: ela não é dinâmica. É tudo muito estático, tudo muito lento, tudo muito óbvio. Está cheio de jogador bom. Mas é como se fosse impossível fazer a química acontecer entre eles. No jogo contra o Chile, a coisa se repetiu. Acabamos analisando os caras individualmente - Estevão foi bem porque tentou mais que todo mundo, Martinelli foi mal porque estava em uma noite ruim, João Pedro isso, Raphinha aquilo. Aí o homem chama Luiz Henrique, o rapaz entra bem, pronto, imediato clamor para que vire titular. Sempre o melhor é o que não está jogando. Neste comecinho de Ancelotti, eu gosto de ver um time sem levar gols. Gosto de ver a maneira educada e cavalheiresca como ele se porta, muito inteligente para fugir das cascas de banana (com classe), sem ficar inventando desculpinhas, sem vitimização, sem grosseria. Gosto de como ele está tratando o assunto Neymar. Decidiu não convocar e, se em cima da hora Neymar estiver voando, possivelmente chamará. Está fazendo com Neymar o mesmo que Scolari fez com Romário - mas sem balbúrdia e bombacha. É a tentativa de criar time e ambiente sem a presença de quem, provavelmente de forma involuntária, fez esse processo ser negativo para a seleção nos anos recentes. Gosto de muitas coisas, pois. Mas não gosto de ver o Brasil com a bola. Me dá sono ver a seleção "em busca" da vitória. Parece um jogo em câmera lenta. Só espero que a doença não seja crônica e incurável. Duradoura, ela é.