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No século 15, o xogum Ashikaga Yoshimasa enviou à China uma cerâmica importante para restauração. Insatisfeito com os grampos metálicos utilizados na técnica chinesa, pediu a artesãos locais que encontrassem uma maneira menos tosca de recuperar a peça da cerimônia do chá. Os brilhantes artífices desenvolveram o Kintsugi, que literalmente significa emendar com ouro. A ideia não é esconder as rachaduras, camuflar as falhas. O objetivo é evidenciar, com laca e pó de ouro, as marcas que o tempo deixou. É ver beleza na imperfeição. Hoje, a técnica japonesa é empregada também em toda a sorte de analogias. A vítima desta coluna é Abel Ferreira. Indignada com mais uma apresentação lamentável contra o Corinthians e a eliminação da Copa do Brasil, a antes devota torcida palmeirenses mandou o digníssimo português tomar no cu. "Não precisamos de você." Naquele momento, escrevi um texto intitulado " ". Lá, argumentei: "Ele pode ficar, o time reagir, a maré virar e o Verdão levantar as duas taças que restam, mas o Palmeiras de Abel (e de Leila) nunca mais será o mesmo. A relação estremeceu, e o fim do ciclo fica cada vez mais próximo. Talvez seja apenas isso: a aproximação de um fim inevitável, um desgaste natural do tempo, uma queda previsível depois de lindos anos vividos juntos? Algo se quebrou hoje, dentro de casa e na frente das visitas mais indigestas. Noite terrivelmente inesquecível para os palmeirenses." Ontem, em uma apresentação formidável, contra um gigante do futebol, em um dos estádios mais monumentais do planeta, em uma noite inesquecível, Abel e Palmeiras podem ter dado os primeiros passos rumo ao reparo de uma relação trincada. Não só pelo resultado, como pelo desempenho, a ousadia, a beleza do que fez no primeiro tempo contra o River Plate, em Buenos Aires. Talvez seja cedo para dizer. Talvez nem a mais moderna solda possa reconstruir o que se perdeu em agosto, de ambos os lados. Talvez estejamos testemunhando, ao vivo, a confecção de um belíssimo exemplar de Kintsugi, que selará em ouro as marcas que o desgaste do tempo — e da arrogância — acabou por romper. Talvez seja tudo uma enorme viagem e os vasos remendados não tenham absolutamente nada a ver com nada. Neste caso, foi mal aí, Yashimasa. Siga Alicia Klein no Se inscreva no Assine a