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Em sua primeira temporada no Brasil, o diretor de futebol do Flamengo, José Boto, percebeu as diferenças para a Europa: a emoção de torcida e dirigentes muitas vezes impacta na gestão. É preciso se adaptar. E foi navegando nesta caminho que o executivo transformou as críticas iniciais na janela de transferências em elogios após a conclusão das contratações de Samuel Lino, Saúl, Emerson Royal e Jorginho. Boto fala sobre isso e muito mais em entrevista ao . Comenta o episódio de desgaste com Pedro e com De La Cruz, as propostas pelo atacante e por Filipe Luís e sua relação com o presidente Luiz Eduardo Baptista. Ao final da janela, Boto constatou que o Flamengo passou a ser atrativo para jogadores da Europa em geral, e revelou que atletas importantes e famosos do Velho Continente demonstraram interesse em defender o Rubro-Negro. "Mesmo que não esteja com ele todos os dias, falo com ele todos os dias. Às vezes mais do que uma vez por dia. É óbvio que todas as decisões, principalmente aquelas que são mais sensíveis, mais estruturais, tenho que comunicar e ter a aprovação dele. Tudo aquilo que é gestão do dia a dia aqui no CT é algo que eu não comunico assim tanto com ele, porque tem essa autonomia. Agora, quando são questões, por exemplo, de contratações, que envolvem dinheiro, quem tem de dar o ok é ele. Não sou eu que disponho do dinheiro do clube para fazer como bem quero. É ele que tem que dar sempre o... como vocês dizem aqui, bater o martelo, não é?". Aqui houve uma questão extra que fez com que as negociações demorassem um pouco mais do que aquilo que estávamos a prever. Foi o fato de termos vendido o Gerson com dinheiro à vista. E quando os clubes sabem que tivemos um encaixe de dinheiro à vista, que neste caso eram 25 milhões de euros, começam a querer que a gente pague à vista também, ou que quando vão parcelar os jogadores, que as parcelas sejam menores. E nós não quisemos nunca entrar nisso. Se déssemos a essas demandas dos outros, daríamos um mau sinal ao mercado e todos os clubes nos passariam a pedir menos parcelamento, mais dinheiro à vista". Até para esclarecer aos torcedores, nunca houve uma proposta de 29 milhões (de euros), como dizem. Houve uma proposta de 18 milhões de euros, que depois poderia chegar a 28 milhões de euros, com bônus, e muitos desses bônus eram irreais. Alguns dos bônus implicavam uma possível entrada do Zenit nos campeonatos da Europa. É uma coisa que pode acontecer como pode não acontecer, pela situação política que se passa lá. Eu tive sempre a sensação de que o Gerson, apesar de ter renovado, aspirava mais salário. O que é natural, não há nenhuma crítica a ele. E percebemos também que o Zenit poderia voltar à carga. Então, baixar a cláusula foi para obrigar, no caso dele, a querer sair e recebermos o dinheiro à vista. Porque se não tivesse a cláusula, os valores eram irreais. Ninguém pagaria aquele valor pelo Gerson. Obrigaria a mais uma negociação que depois seria pago parcelado, com mais desgaste, numa altura em que nós não queríamos ter desgaste aqui. E isso foi acordado até com todo o estafe do Gérson". "O mais importante é que tudo aquilo que se falou e foi dito sobre o Pedro, resultou num Pedro diferente, num Pedro que, neste momento, ajuda e muito o Flamengo e que ajuda a ele próprio na sua valorização como jogador. O resto são coisas normais que acontecem dentro de clubes. Nunca houve uma intenção de vender. Era uma altura em que o Pedro não estava sendo utilizado, mas não havia uma intenção de vender por nenhum valor que não fosse aquele que nós sabíamos que o Pedro tem. Tudo foi feito para que o Pedro atingisse a performance que ele é capaz de atingir, que entrega hoje e que nos deixa muito satisfeitos. Na verdade, houve uma proposta quase no final da janela na casa dos US$ 18 milhões, líquidos, e que recusamos (do Al-Rayyan, do Qatar)". "É importante ressaltar que o clube fez o correto. E que deu todo o suporte e apoio ao atleta. Eu tive uma conversa nesta sala com ele, muito grande, onde expressei toda a solidariedade e todo o empenho em ajudá-lo numa situação que não era fácil para ele. E o importante também é que o De La Cruz está aqui pronto para nos ajudar no que falta da temporada". O perfil do Samuel Lino era aquele que nós buscávamos desde o início da temporada. Depois, nesta janela que acabou agora, que já tínhamos uma disponibilidade financeira maior, foi sempre o alvo número um que tínhamos, sabendo da dificuldade que era contratar um jogador que ainda estava em alta na Europa, e que era disputado por dois clubes campeões do seu país, e que disputariam a Champions League. Foi mais o convencimento do jogador de que seria uma boa decisão para sua carreira, ele voltar ao Brasil e ao Flamengo. O Saúl foi uma oportunidade. O mercado é sempre dinâmico, nós tínhamos um plano de contratações, depois houve algumas saídas inesperadas. Nós víamos nessa altura um problema com os volantes, tinha a contusão do Erick Pulgar. E o Saúl pode fazer essas duas posições, estava livre no mercado, mas já estava de pé no avião para ir a Turquia. A negociação realmente deu-se numa noite. Nós jogamos contra o São Paulo. E nessa noite fui dormir 6h da manhã, mas já com o jogador fechado e pronto para vir para o Brasil". "Em termos de mercado, esta janela tem um pouco de impacto na Europa, de abrir ainda mais as portas do Flamengo para jogadores europeus. Eles estão vendo este tipo de jogadores vindo para cá e se interessam mais para vir. Não vou dizer nomes, mas depois destas contratações houve nomes importantes e conhecidos do futebol europeu que mostraram interesse em vir jogar no Flamengo. Eram posições que nós não necessitávamos, e eu também já disse que, às vezes, água a mais mata a planta, e nós não queríamos também transformar numa coisa que depois iria prejudicar a equipe". "As pessoas falam muito de Fair Play financeiro, mas as pessoas não sabem o que é isso. Fair Play financeiro é algo que todos nós devíamos fazer na nossa casa, que é não gastarmos mais dinheiro do que temos. E o que se passa é que os clubes acabam fazendo uma competição desleal porque gastam dinheiro que não têm e não pagam as dívidas que têm. Porque nós temos nomes conhecidos que não pagaram os jogadores que já compraram há quase dois anos. E isso a CBF tem que fazer algo. Por exemplo: quando são clubes europeus que nos devem dinheiro, no caso do Leixões ou no caso do Estrela Amadora, a Fifa já os acionou, eles não podem inscrever ninguém enquanto não nos pagarem. E isso tem de ser feito aqui, porque senão é uma concorrência desleal". "Foi feita uma proposta de renovação ao Filipe para nós continuarmos com ele pelo menos por mais uma temporada ou, provavelmente, mais duas. Simplesmente vai ser uma questão de negociação. A proposta que foi feita, foi feita para mostrar a confiança que nós tínhamos nele, foi depois da derrota para o Central Córdoba (na fase de grupos da Libertadores). Portanto, isto já foi há algum tempo. E ele, na altura, achou que não devia ainda responder, mas havia a vontade dele em ficar e a nossa vontade que ele fique. Vamos andando aqui um pouco como se diz, a enrolar isto, mas semana passada, em Portugal, estive com o representante dele e falamos sobre a negociação". "Queria também dizer que, durante a semana passada, ele teve a possibilidade de sair do clube. Eu sei disto porque o presidente desse clube ligou para mim e perguntou quanto de dinheiro nós queríamos para liberar o Filipe Luís. Ao que respondi: 'isto não é um banco'. Nós não tínhamos qualquer vontade de vendê-lo". "Tem (multa), mas o clube de lá ofereceu ao Flamengo pagar muito mais do que a multa que ele tem no contrato. E ele não quis ir, não queria deixar este projeto assim. E então, a partir daí, também comecei a falar com o representante dele". "A mim não me surpreende esse assédio. Nós já sabíamos, e não é isso que nos fez acelerar o processo. O Filipe não se sentia confortável, como não se sente confortável de ser ele a negociar o contrato dele. E o agente, como é muito grande e tem muito trabalho (Jorge Mendes), só agora que começou a falar comigo (risos)". "O Arrascaeta tem mais um ano de contrato, mas uma coisa que o presidente tem falado sempre comigo - e eu concordo muito com esta visão - é que todos os trabalhadores do Flamengo que entregam muito ao clube devem ser reconhecidos. Neste momento o Arrascaeta está a fazer, talvez, a melhor temporada da carreira dele. Mas mais do que isso, o Arrascaeta é um exemplo para todos das horas que se dedica ao clube, a ele próprio para que esteja bem, para que faça uma temporada como esta. Ele é um dos primeiros a chegar, um dos últimos a sair, e é este tipo de jogador que nós queremos no clube. Não foram só as qualidades técnico-táticas, mas também a mentalidade. E quando os jogadores têm este tipo de postura, são normalmente premiados com isso. E isso vai acontecer também com o Arrascaeta, provavelmente com uma renovação antes do tempo". "No caso do Mikey, era um dos jogadores que nós percebíamos que vinha ajudar a equipe em coisas que nós precisávamos. E a vinda dele não teria nada a ver com a não-vinda do Samuel Lino, viriam os dois (...). Quando você vai tentar fazer a primeira compra, leva-se porrada até dizer chega. Eu acho também que houve uma questão de timing, porque se não fosse o primeiro, se viesse no meio do Saúl, do Samuel Lino, talvez a torcida teria outra reação. E eu também não sei se é a torcida ou se é a imprensa que promove isso na torcida, mas também é algo que não me preocupa muito. O que é importante é se os jogadores realmente têm as características que servem ao clube. Eu venho de um país pequeno, mas bem famoso no futebol, principalmente, por esse tipo de movimentos, por exemplo, quando viemos buscar o David Luiz (quando o Benfica o contratou do Vitória). Em Portugal ninguém tinha ouvido falar, nem sequer no Brasil vocês tinham ouvido falar do David Luiz, não é? E depois os jogadores deram no que deram". "Acho que foi mal explicado ou mal interpretado. É muito mais fácil você programar e não estar dependente de fatores externos, de fatores que são normais no futebol, num campeonato de pontos corridos, do que numa eliminatória. Porque basta um dia ruim para pôr tudo a perder. Se temos um jogo ruim como tivemos, por exemplo, com o Central Córdoba, o que pode acontecer? Num campeonato de pontos corridos, é mais fácil controlar esses fatores".