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Análise dos Times

Motivo: A análise do time boliviano foca na percepção de pessimismo e falta de paixão pelo futebol, sem juízo de valor sobre a qualidade.

Viés da Menção (Score: 0.0)

Motivo: O Brasil é mencionado no contexto de um jogo contra a Bolívia, sem qualquer viés positivo ou negativo em relação à equipe.

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Palavras-Chave

Entidades Principais

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Conteúdo Original

Medo. Vir para La Paz pela primeira me gerou isso, medo. Coisa que nunca tive em viagem alguma. Medo da altitude, dos efeitos dela e do que é amplamente divulgado por viajantes, medo de intoxicação alimentar. Trouxe um monte de remédios. Me preparei. E, desde que cheguei aqui... nada. Melhor não comemorar antes, claro, a viagem ainda não acabou e ainda tem um jogo da seleção brasileira para cobrir nesta noite de terça. Eu respeitei a altitude. Tomei o famoso chá de coca todos os dias. Me hidratei relativamente bem, com água engarrafada. Andei sempre devagar, sem fazer loucuras. Mas não fiquei parado dentro do hotel. Caminhei, subi escadas, andei de bicicleta. Deixei o medo na mala e saí para conhecer esse lugar, tão desconhecido para os brasileiros. Isso é um negócio que me entristece demais. Como somos ignorantes sobre a América do Sul. Vivemos de costas para o continente, nosso sistema de ensino ignora o castellano como idioma e passamos por cima da história da formação da América como ela é. Deveríamos saber sobre as guerras entre Bolívia e Paraguai, Chile e Peru, com Bolívia no meio, tanto quanto sabemos sobre Revolução Francesa ou Egito ou Atenas. Bem, na verdade não somos bons mesmo de história, sequer sabemos interpretar uma ditadura da casa que acabou outro dia. Não sabemos nada de história, mas adoramos opinar de forma convicta sobre escolhas eleitorais de alguns vizinhos. Sobre a Bolívia, o que se falou recentemente foi que o país ficou nas mãos de comunistas sob a figura de Evo Morales! É a imagem de um país sempre sujeito a golpes e, claro, exportador de cocaína. É isso que o que "sabemos", com a enorme carga preconceituosa de sempre. Não se conhece um país em um dia, dois ou três. O que eu posso absorver é o que vejo, escuto, pergunto, leio. E eu leio o que aparece pela frente. Pergunto. E ouço. É o que mais gosto de fazer. O que mais ouvi por aqui? Um pedido! Para que o Brasil deixe a Bolívia ganhar o jogo de terça e a seleção local passe para a repescagem mundial em busca de uma vaga na Copa de 2026. É um povo desconectado do futebol, se compararmos a outros da América do Sul - nestas eliminatórias, tive a oportunidade de acompanhar os jogos do Brasil em Lima e Montevidéu. Nas duas ocasiões, o tema futebol estava muito mais vivo do que aqui em La Paz. Em três dias completos, não vi uma camiseta sequer da seleção boliviana nas ruas. Quando o ônibus da seleção boliviana chegou ao estádio Hernando Siles para o treino do sábado, não mais do que cinco pessoas pararam do outro lado da calçada e sacaram celulares para registrar o momento. Ninguém foi até perto do ônibus para pedir uma foto ou um autógrafo. Sinto um certo pessimismo. Tanto que o pedido, repito, é "nos deixem ganhar". Fica subentendido que se depender dos bolivianos mesmo... não tem jeito. La Paz é uma cidade sui generis. Muito diferente das que eu conheci, e já são 53 "países-Fifa" que visitei nessa vida, considero-me um felizardo. É uma cidade encravada entre montanhas, no tal Altiplano dos Andes. Fui visitar o CT do Bolívar hoje e ele está a 3.100 metros de altitude. O centro de La Paz, a 3.600. E El Alto, que fica grudada, meio que um plano na montanha lá de cima, fica a 4.150 metros. Isso é apenas para dar uma noção dos desníveis. La Paz é uma cidade de ladeiras, subidas, descidas, vales. A cor da cidade é o tijolo. A primeira impressão que qualquer brasileiro terá é que é uma enorme, gigantesca, favela. A esmagadora maioria das casas tem os tijolos a mostra, sem acabamento. Quando você olha com mais atenção, no entanto, verá que não são barracos. São casas mesmo, muitas vezes prédios inteiros, assim. Mas há muitos prédios mais modernos também em alguns bolsões e, em duas zonas da cidade, prédios bonitos e mansões. Saindo pela zona Sul de La Paz, você começa a ver os condomínios muito bem guardados de casas - em outras palavras, onde vivem os ricos. O cheiro da cidade é o de fumaça. Eu achei que tivesse visto poluição na China, mas não é nada comparado com La Paz. É uma enormidade de carros verdadeiramente velhos, van que funcionam como parte do transporte local e a impressão é que 100% dos veículos automotores soltam uma fumaceira preta a todo tempo. A fumaça, muito mais do que a altitude, torna respirar em La Paz algo desagradável. A cara da cidade é aquela mesmo que você está imaginando. Feições indígenas, com muita gente na rua. É uma cidade com vendedores e, principalmente, vendedoras ambulantes a cada esquina. Muitas delas com vestimentas típicas. O dinheiro é trocado por um valor nos bancos, mas por outro bem diferente nas ruas. Hoje, troquei reais por bolivianos com "aquela senhora ali, ao lado da outra senhora que vende frutas". Por todas as esquinas há alguém vendendo alguma coisa. Caminhei por La Paz com muita tranquilidade, não tive a sensação de perigo em nenhum momento - dizem que o centro é mais esquisito à noite, mas não fui lá checar. Caminhar, no entanto, não é o melhor jeito de conhecer a cidade. E aqui chegamos ao teleférico. E aqui, prestem atenção. Não é "o" ou "um" teleférico. São vários. Para ser exato, 10 linhas de teleférico, que funcionam como se fosse o metrô da cidade. Não são tantas as estações, como estamos habituados no transporte sobre trilhos. No total, 39 estações estão espalhadas nos mais de 32 km que forma a rede de teleféricos. Ela chega a El Alto por duas linhas, a azul e a roxa, e chega à zona Sul - mais rica - pela linha verde. As linhas amarela, branca, laranja, vermelha e prateada formam uma espécie de quadrado em torno da cidade. As cabines têm as cores das linhas. Sabem aqueles episódios de "Brasil (ou qualquer país) visto de cima"? O teleférico, inaugurado em 2014, é um sonho para quem, como eu, gosta de ter vistas panorâmicas dos lugares. Eu realizei o trajeto circular em menos de duas horas. Custa mais menos R$ 1,50 para subir no teleférico e é necessário pagar cada vez que se muda de linha - a baldeação custa R$ 1,00. As estações são todas muito limpas, bem sinalizadas e bem policiadas. Me chamou a atenção o fato de não ter uma quantidade imensa de pessoas usando o sistema, sempre foi muito tranquilo entrar nas cabines e muitas vezes fiquei sozinho nelas. Eu estimo que caibam de oito a dez pessoas dentro de uma cabine, mas ouvi, em um sistema de som, falarem "máximo de cinco pessoas". Há divergências de fontes, mas estima-se que entre 400 e 500 mil pessoas usem o teleférico diariamente. Considerando-se que há aproximadamente 2 milhões de habitantes na área metropolitana, o número é considerável. Não peguei vento, mas peguei chuva e frio. Em três dias, só vi uma das linhas parar uma vez. Eu passaria o dia inteiro dando voltas no teleférico de La Paz. Cada linha é uma descoberta. Em muitos momentos, as cabines passam bem perto das casas e podemos observar nitidamente alguns hábitos, as cores e as diferenças sociais. Vi crianças na escola durante o recreio, vi um grupo de policiais militares sendo treinados lutando judô ao ar livre, vi os estacionamentos dos prédios acima do térreo, vi o estádio Hernando Siles, vi muitas quadras ou campinhos de futebol, vi um enorme anfiteatro ao ar livre, vi roupas e roupas e roupas estendidas nos varais, vi antenas e vi caixas d'água. A linha prateada corta a cidade pela linha que divide La Paz de El Alto e fica muito claro como a cidade vizinha, a do estádio em que jogarão Bolívia e Brasil, a 4150 metros de altitude, é muito mais pobre e degradada. Casas humildes, lixo na rua, mercadorias, feiras e pouca estrutura. Já a linha verde passa por cima de mansões, cujos donos possivelmente não gostaram nem um pouco da novidade. Li que a população da zona Sul de La Paz ficou muito incomodada - para não dizer revoltada - com a "chegada de gente de El Alto" para os shoppings da parte rica da cidade. O teleférico conectou e conecta as pessoas de todas as partes da cidade. E nos permite ver de maneira privilegiada os contrastes e também a incrível topografia de La Paz, com o cenário andino ao fundo. "La cumbre", o pico nevado, é um dos cartões postais ao fundo. Eu iria sair de lá para uma descida de mountain bike dos 4700 metros até os 1200 metros, já nas bordas da Amazônia. No fim, pelo mau tempo, a aventura começou dos 4200 m. Chegar até lá já é uma aventura, pelo trânsito caótico da saída de La Paz e as ruas esburacadas. De bicicleta, desci a famosa "estrada da morte", construída por escravos paraguaios em tempos de guerra, 100 anos atrás. Eles se vingaram, fazendo passagens bem estreitas e que geraram milhares de mortes por carros, ônibus e caminhões que despencaram. A estrada só foi substituída por uma nova em 2007. Desde então, recebe turistas atrás de aventura. Foram 45 km de descida, cruzando pequenos rios, passando por baixo de cachoeiras e vendo muitas plantações de coca - os próprios guias contam que alguns camponeses acabam trabalhando para os cartéis. E lá embaixo, já perto da Amazônia, há alguns casarões que me fazem desconfiar. Notei que a floresta tem alguns "cortes" por desabamentos de terra, causados justamente pelas queimadas para plantar coca - que deixam o solo mais frágil. Na chegada, o frio foi substituído pelos mosquitos. A volta a La Paz deveria demorar três horas de van pela estrada nova, mas demorou mais de cinco horas por um problema na roda dianteira esquerda, que obrigou o guia a conseguir um novo transporte ali na hora, em um minivilarejo. Puro suco de América do Sul. E uma fumaceira desgraçada no meio da floresta. O tempo mudou, e o frio de zero graus e a chuva que peguei no primeiro dia deram lugar ao Sol e céu azul nesta segunda e também na terça. A seleção brasileira vai pegar frio em El Alto, algo na casa dos 3 graus, mas a previsão estava muito pior. Na segunda, com 10 a 12 graus nos termômetros e bastante Sol, a turma estava toda tomando sorvete na rua. La Paz é uma cidade fria pela temperatura, mas um povo acolhedor. Sofrido, se nota, e também muito cordial. "Se joga onde se vive", diz a mensagem no telão do estádio Siles, o maior da cidade, mas que não será usado pela seleção. É muito difícil combater essa frase. Hoje em dia, com a evolução física dos atletas de futebol e também dos processos de medição, a altitude apresenta um desafio mais contornável para o universo profissional. La Paz tem direito de receber jogos de futebol. Pensar que um povo pode ser furtado da chance de ver o jogo de sua seleção é muito mais desumano do que jogar uma hora e meia de bola pertinho do céu.